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Traição com exposição nas redes leva à condenação por danos morais na Paraíba
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Decisão reconhece danos morais à mulher exposta após traição do marido; caso brasileiro encontra paralelo com episódio que viralizou durante apresentação da banda nos Estados Unidos
Em uma ação de divórcio litigioso, a Justiça da Paraíba decidiu recentemente que um homem deverá pagar R$ 50 mil de indenização por danos morais à ex-esposa devido a uma traição que causou humilhação pública. A decisão é da 4ª Vara de Família de João Pessoa.
Segundo os autos, a autora relatou que o então marido usou o CPF dela para comprar um ingresso de um evento público que foi dado à mulher com quem ele se relacionou enquanto ainda era casado. Os dois foram fotografados juntos na festa e as imagens foram publicadas nas redes sociais.
A decisão da Justiça paraibana esclareceu que o incômodo causado pela traição, por si só, não configura dano indenizável. No entanto, a divulgação das fotos atingiu a imagem da ex-esposa e adapta o caso ao artigo 186 do Código Civil, que diz: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Além da condenação por danos morais, o processo resultou na partilha de bens adquiridos durante o casamento e na decisão de que não caberia pensão alimentícia à ex-esposa, já que ela tem profissão definida e está inserida no mercado de trabalho. Também foi encerrado o pedido de pensão para o filho, que atingiu a maioridade durante o processo.
Violação de direitos fundamentais
A advogada Nevita Franca Luna, que atuou no caso, avalia que a decisão “representa um avanço civilizatório no reconhecimento jurídico da dor moral da mulher diante da quebra da confiança conjugal e da humilhação pública”.
“Não se trata apenas de um abalo emocional íntimo, mas da violação de direitos fundamentais como a honra, a imagem e a dignidade da pessoa humana. O Judiciário, ao acolher esse sofrimento e responsabilizar o ofensor, reafirma que o fim de uma relação não pode se dar com violência simbólica, nem com a exposição pública do outro como forma de desrespeito ou revide”, afirma.
Para ela, a condenação por danos morais nesse caso pode abrir precedentes ou influenciar futuras decisões da Justiça de Família, especialmente quando houver uma análise sob a perspectiva de gênero.
“A responsabilização por danos morais em contextos de traição com humilhação pública é um marco que reforça a proteção da parte vulnerabilizada e sinaliza que as relações afetivas, mesmo em sua ruptura, devem se pautar pela ética, pelo respeito mútuo e pela não violência”, pontua.
E acrescenta: “Esse precedente pode fomentar uma jurisprudência mais comprometida com a reparação de danos nas esferas emocional e social, especialmente em casos envolvendo mulheres”.
Flagra em show
A decisão da Justiça da Paraíba chama atenção diante de um caso recente que ganhou repercussão internacional. Durante um show da banda Coldplay, nos Estados Unidos, a chamada “kiss cam” – câmera que flagra casais no público – exibiu um homem e uma mulher abraçados. Ao perceberem que estavam sendo filmados, os dois se afastaram, tentando esconder os rostos. A cena viralizou nas redes sociais.
Dias depois, os dois foram identificados como executivos de uma empresa de tecnologia. Ambos eram comprometidos com outras pessoas e foram suspensos pela companhia, que abriu uma investigação interna. Embora os contextos sejam diferentes, tanto esse caso quanto o da Paraíba trazem à tona a exposição pública de uma traição e seus impactos na vida das pessoas envolvidas.
A advogada Lhigierry Moreira, membro da Diretoria e presidente da Comissão de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher do Instituto Brasileiro de Direito de Família, seção Minas Gerais – IBDFAM-MG, explica que a traição configura uma violação do dever de fidelidade no relacionamento, mas, por se tratar de um dever moral e não jurídico, não gera automaticamente o dever de indenizar.
“A exposição, a humilhação e o vexame ultrapassam os limites da moralidade e adentram a esfera jurídica. Nessas situações, uma vez constatado o dano, surge o dever de reparação, que deve ser visto como um avanço positivo na proteção da dignidade da pessoa”, avalia.
Ela analisa que, no caso da Justiça paraibana, há violação à imagem e à dignidade da ex-esposa, exposta ao “ridículo” e à “vergonha pública” pela divulgação da traição nas redes sociais.
“Essa não é uma decisão comum no Brasil, mas o Supremo Tribunal Federal – STF reconhece a possibilidade de indenização quando a traição ocorre de forma a humilhar ou ridicularizar o cônjuge, ou quando viola direitos da personalidade, como a intimidade e a imagem”, esclarece.
Quanto ao caso da traição flagrada no show do Coldplay, a especialista avalia que caberia responsabilização jurídica, inclusive com reparação por danos morais, diante da ampla divulgação do vídeo e das proporções incontroláveis que o caso tomou.
“Existem imagens circulando mundialmente, com montagens que expõem a esposa ao ridículo, em decorrência da traição tornada pública durante o show”, pontua.
Constituição
Lhigierry Moreira explica que os direitos à privacidade e à dignidade são garantias constitucionais e, portanto, invioláveis, mesmo quando os fatos se tornam públicos.
“Quando a divulgação de uma traição tem o intuito mero de fazer chacota ou causar problemas, por exemplo, isso não traz qualquer valor social, sendo mera invasão de privacidade, o que é ilegal”, afirma.
A advogada avalia que o Direito das Famílias brasileiro não está preparado para lidar com os impactos da superexposição digital nos conflitos familiares, mas vê a decisão da Paraíba como um sinal positivo de avanço.
“Embora sejamos constantemente bombardeados por informações e câmeras prontas para registrar qualquer ‘deslize’, isso não pode naturalizar a dor, o constrangimento e as humilhações que ultrapassam os limites do aceitável”, observa.
E acrescenta: “A dignidade no fim das relações é um valor fundamental, mas que vem sendo progressivamente negligenciado, especialmente porque algumas condutas, embora moralmente reprováveis, não configuram ilegalidade. Em muitos casos, só há uma real preocupação quando os efeitos atingem o patrimônio, já que é o impacto financeiro que costuma gerar maior temor”.
Processo 0816643-22.2020.8.15.2001
Por Guilherme Gomes
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